I. Tecnologia na educação
Há muitas formas de compreender a tecnologia. Neste artigo a
tecnologia é concebida, de maneira ampla, como qualquer artefato, método ou
técnica criado pelo homem para tornar seu trabalho mais leve, sua locomoção e
sua comunicação mais fáceis, ou simplesmente sua vida mais agradável e
divertida.
A tecnologia, neste sentido, não é algo novo – na verdade, é
quase tão velha quanto o próprio homem, visto como homo creator.
Nem todas as tecnologias inventadas pelo homem são relevantes
para a educação. Algumas apenas estendem sua força física, seus músculos. Outras
apenas lhe permitem mover-se pelo espaço mais rapidamente e/ou com menor
esforço. Nenhuma dessas tecnologias é altamente relevante para a educação. As
tecnologias que amplificam os poderes sensoriais do homem, contudo, sem dúvida o
são. O mesmo é verdade das tecnologias que estendem a sua capacidade de se
comunicar com outras pessoas. Mas, acima de tudo, isto é verdade das
tecnologias, disponíveis hoje, que aumentam os seus poderes intelectuais: sua
capacidade de adquirir, organizar, armazenar, analisar, relacionar, integrar,
aplicar e transmitir informação.
As tecnologias que grandemente amplificam os poderes
sensoriais do homem (como o telescópio, o microscópio, e todos os outros
instrumentos que amplificam os órgãos dos sentidos humanos) são relativamente
recentes e foram eles que, em grande medida, tornaram possível a ciência
moderna, experimental.
As tecnologias que estendem a capacidade de comunicação do
homem, contudo, existem há muitos séculos. As mais importantes, antes do século
dezenove, são a fala tipicamente humana (conceitual), a escrita alfabética, e a
imprensa (especialmente o livro impresso). Os dois últimos séculos viram o
aparecimento de várias novas tecnologias de comunicação: o correio moderno, o
telégrafo, o telefone, a fotografia, o cinema, o rádio, a televisão e o vídeo.
As tecnologias que aumentam os poderes intelectuais do homem,
e que estão centradas no computador digital, são mais recentes, tendo sido
desenvolvidas em grande parte depois de 1940. O computador vem gradativamente
absorvendo as tecnologias de comunicação, à medida que estas se digitalizam.
Várias expressões são normalmente empregadas para se referir
ao uso da tecnologia, no sentido visto, na educação. A expressão mais neutra,
“Tecnologia na Educação”, parece preferível, visto que nos permite fazer
referência à categoria geral que inclui o uso de toda e qualquer forma de
tecnologia relevante à educação (“hard” ou “soft”, incluindo a fala humana, a
escrita, a imprensa, currículos e programas, giz e quadro-negro, e, mais
recentemente, a fotografia, o cinema, o rádio, a televisão, o vídeo e,
naturalmente, computadores e a Internet).
Não há porque negar, entretanto, que, hoje em dia, quando a
expressão “Tecnologia na Educação” é empregada, dificilmente se pensa em giz e
quadro-negro ou mesmo de livros e revistas, muito menos em entidades abstratas
como currículos e programas. Normalmente, quando se usa a expressão, a atenção
se concentra no computador, que se tornou o ponto de convergência de todas as
tecnologias mais recentes (e de algumas antigas). E especialmente depois do
enorme sucesso comercial da Internet, computadores raramente são vistos como
máquinas isoladas, sendo sempre imaginados em rede – a rede, na realidade, se
tornando o computador.
Faz sentido lembrar aos educadores o fato de que a fala
humana, a escrita, e, conseqüentemente, aulas, livros e revistas, para não
mencionar currículos e programas, são tecnologia, e que, portanto, educadores
vêm usando tecnologia na educação há muito tempo. É apenas a sua familiaridade
com essas tecnologias que as torna transparentes (i.e., invisíveis) a eles.
“Tecnologia na Educação” é uma expressão preferível a
“Tecnologia Educacional”, pois esta parece sugerir que há algo intrinsecamente
educacional nas tecnologias envolvidas, o que não parece ser o caso. A expressão
“Tecnologia na Educação” deixa aberta a possibilidade de que tecnologias que
tenham sido inventadas para finalidades totalmente alheias à educação, como é o
caso do computador, possam, eventualmente, ficar tão ligadas a ela que se torna
difícil imaginar como a educação era possível sem elas. A fala humana
(conceitual), a escrita, e, mais recentemente, o livro impresso, também foram
inventados, provavelmente, com propósitos menos nobres do que a educação em
vista. Hoje, porém, a educação é quase inconcebível sem essas tecnologias.
Segundo tudo indica, em poucos anos o computador em rede estará, com toda
certeza, na mesma categoria.
Destas três expressões, a terceira é provavelmente a menos
usada. Entretanto, é a única que é tecnicamente correta.
Educação e aprendizagem são processos que acontecem dentro do
indivíduo – não há como a educação e a aprendizagem possam ocorrer remotamente
ou a distância. Educação e aprendizagem ocorrem onde quer que esteja a pessoa –
e esta é, num sentido básico e muito importante, o sujeito do processo de
educação e aprendizagem, nunca o seu objeto. Assim, é difícil imaginar como
Educação a Distância e Aprendizagem a Distância possam ser possíveis, a despeito
da popularidade dessas expressões.
É perfeitamente possível, contudo, ensinar remotamente ou a
distância. Isto acontece o tempo todo. São Paulo ensinou, a distância, os fiéis
cristãos que estavam em Roma, Corinto, etc. – usando cartas manuscritas.
Autores, distantes no espaço e no tempo, ensinam seus leitores através de livros
e artigos impressos. É possível ensinar remotamente ou a distância através de
filmes de cinema, da televisão e do vídeo. E hoje podemos ensinar quase qualquer
coisa, a qualquer pessoa, em qualquer lugar, através da Internet.
Assim, a expressão “Ensino a Distância” será usada neste
artigo sempre que houver necessidade de se referir ao ato de ensinar realizado
remotamente ou a distância. Que a educação e a aprendizagem possam acontecer em
decorrência do ensino é inegável, mas, como já argumentado, isto não nos deve
levar a concluir que a educação e a aprendizagem que ocorrem em decorrência do
ensino remoto ou a distância também estejam ocorrendo remotamente ou a
distância.
A despeito de sua popularidade, Ensino a Distância não é a
melhor aplicação da tecnologia na educação hoje. Este lugar deve ser reservado
ao que pode ser chamado de Aprendizagem Mediada pela Tecnologia.
Como mencionado, não há dúvida de que a educação e a
aprendizagem podem ocorrer em decorrência do ensino. Mas também não há dúvida de
que a educação pode ocorrer através da auto-aprendizagem, i.e., através daquela
modalidade de aprendizagem que não está associada a um processo de ensino, mas
que ocorre através da interação do ser humano com a natureza, com outras
pessoas, e com o mundo cultural. Uma grande proporção da aprendizagem humana
acontece desta forma, e, segundo alguns pesquisadores, esse tipo de aprendizagem
é mais significativa – isto é, acontece mais facilmente, é retida por mais tempo
e é transferida de maneira mais natural para outros domínios e contextos – do
que a aprendizagem que ocorre em decorrência de processos formais e deliberados
de ensino (i.e., através da instrução).
O que é particularmente fascinante nas novas tecnologias
disponíveis hoje, em especial na Internet, e, dentro dela, na Web, não é que,
com sua ajuda, seja possível ensinar remotamente ou a distância, mas, sim, que
elas nos ajudam a criar ambientes ricos em possibilidades de aprendizagem nos
quais as pessoas interessadas e motivadas podem aprender quase qualquer coisa
sem ter que se tornar vítimas de um processo formal e deliberado de ensino. A
aprendizagem, neste caso, é mediada apenas pela tecnologia.
Não há dúvida de que atrás da tecnologia há outras pessoas,
que preparam os materiais e os disponibilizam através da rede. Quando alguém usa
os recursos hoje disponíveis na Internet para aprender de maneiras
auto-motivadas e exploratórias, ele usa materiais de diferentes naturezas,
preparados e disponibilizados em contextos os mais variados, não raro sem
qualquer interesse pedagógico, e ele faz isso de maneira totalmente
imprevisível, que, portanto, não pode ser planejada, e num ritmo que é
totalmente pessoal e regulado apenas pelo desejo de aprender e pela capacidade
de assimilar e digerir o que ele encontra pela frente.
Por causa disso não parece viável chamar essa experiência de
Ensino a Distância, como se fosse a Internet que ensinasse, ou como se fossem as
pessoas por detrás dos materiais que ensinassem. O que está acontecendo em um
contexto como o descrito é Aprendizagem Mediada pela Tecnologia,
auto-aprendizagem, isto é, aprendizagem que não é decorrente do ensino.
Conseqüentemente, as principais categorias em que podem ser
classificadas as principais maneiras de utilizar a tecnologia na educação são:
-
Em apoio ao Ensino Presencial
-
Em apoio ao Ensino a Distância
-
Em apoio à Auto-aprendizagem
Muitas pessoas poderiam ficar tentadas a justificar o Ensino
a Distância simplesmente perguntando “Por que não?” Apesar disso, há boas razões
para se discutir se o Ensino a Distancia é justificado, o que o justifica, e
quais sãos os seus méritos vis-à-vis o Ensino Presencial.
De um lado há aqueles que presumem que o Ensino a Distância
não difere, substantivamente, do Ensino Presencial. Se o ensino é algo que deve
ser promovido, e é possível ensinar a distância, então o Ensino a Distância está
justificado.
Do outro lado há aqueles que vêem vantagens no Ensino a
Distância quando comparado ao Ensino Presencial: maior alcance, melhor razão
custo/benefício, e, principalmente, maior flexibilidade tanto para ensinantes
como para aprendentes, visto que eles acreditam que o Ensino a Distância pode
ser realizado de forma tão personalizada a ponto de tornar-se instrução
individualizada.
Contra essas duas posições favoráveis há aqueles que
acreditam que, no Ensino a Distância, perde-se a dimensão pessoal que, mesmo que
não seja condição necessária do próprio ensino, certamente o é para o ensino
eficaz.
Deixando de lado, no momento, a segunda posição, há uma óbvia
contradição entre a primeira e a terceira posição: os defensores da primeira
posição pressupõem que não haja diferenças substantivas entre o Ensino
Presencial e o Ensino a Distância (o caráter “virtual” do Ensino a Distância não
sendo considerado essencial), enquanto os defensores da terceira posição
acreditam que a “virtualidade” (ou caráter remoto) do Ensino a Distância remove
da relação de ensino algo importante, ou mesmo essencial a ele, a saber, seu
caráter pessoal, que, segundo eles, é o que torna o ensino eficaz.
Com quem está a verdade nesta disputa?
Uma concordância qualificada com a primeira posição parece
justificada. O ensino envolve três elementos: o ensinante, o aprendente, e
aquilo que o ensinante ensina ao aprendente (o “conteúdo”). Para o ensinante
ensinar o conteúdo ao aprendente não é mais necessário, hoje, que ambos estejam
em contigüidade espaço-temporal – isto é, que ambos compartilhem o mesmo espaço
e o mesmo tempo.
Sócrates insistia (contra o ensino baseado na escrita) que a
contigüidade espaço-temporal entre o ensinante e o aprendente é essencial para o
ensino – mas apenas porque ele não conhecia, e nem podia imaginar, as
telecomunicações modernas. Por causa disso, ele argumentou que o Ensino a
Distância (em seu caso, o ensino baseado na escrita) impedia o diálogo, o
questionamento e a resposta, a comunicação real e interativa entre os agentes
envolvidos (ensinante e aprendente). Seu argumento obviamente não se aplica
hoje.
O caráter pessoal de uma relação, hoje, é independente de
proximidade física no espaço e no tempo. É possível, hoje, manter
relacionamentos extremamente pessoais – até mesmo íntimos – a distância, usando
os modernos meios de telecomunicação, envolvendo texto, sons, imagens (estáticas
e dinâmicas). Por outro lado, a mera contigüidade espaço-temporal não é garantia
de relacionamentos verdadeiramente pessoais. As salas de aula enormes que
existem em algumas escolas freqüentemente permitem relações altamente impessoais
entre professor e alunos, a despeito de sua proximidade no espaço e no tempo.
Muitas vezes, nesses contextos, o professor nem mesmo sabe o nome de seus
alunos, e é totalmente ignorante de suas características pessoais, que são
grandemente relevantes para um ensino eficaz.
Isto posto, deve admitir-se que, outras coisas sendo iguais,
a comunicação face-a-face, olho-no-olho, permite um ensino mais eficaz do que a
comunicação remota ou a distância, mesmo quando os mais modernos meios de
comunicação a distância são utilizados. Na comunicação face-a-face é possível
detectar, com facilidade, as nuances dos componentes sonoros não-verbais da fala
(o tom, o timbre e o volume da voz, o ritmo da fala, as pausas, as ênfases
sutis) e da linguagem corporal (especialmente as expressões faciais [em que o
contato dos olhos talvez seja o aspecto mais significativo], mas também a
postura, a posição das mãos e dos pés, a possibilidade de que os interlocutores
se toquem, etc.).
(Esta consideração é importante para uma tese que será
defendida adiante, a saber: se um modelo de ensino não funciona quando utilizado
nas melhores condições de comunicação, por que deveria funcionar quando as
condições de comunicação não são tão favoráveis?)
Consideremos, agora, a segunda posição descrita atrás, a
saber, a que defende a existência de vantagens no Ensino a Distância em relação
ao Ensino Presencial. Se essa tese é correta, as vantagens do Ensino a Distância
podem compensar a desvantagem que se destacou na seção anterior.
Foi dito, atrás, que os defensores da tese de que o Ensino a
Distância é mais eficaz do que o Ensino Presencial apontam para seu maior
alcance, sua melhor razão custo/benefício, sua maior flexibilidade (tanto para
ensinantes como para aprendentes), e seu maior potencial de personalização e
mesmo individualização.
Não há dúvida de que o Ensino a Distância tem maior alcance
do que o Ensino Presencial. Um programa de Educação a Distância como o TeleCurso
2000 alcança milhões de pessoas cada vez que é ministrado – número infinitamente
maior do que o que poderia ser alcançado se o mesmo curso fosse ministrado
presencialmente.
Aqui a questão não é tão fácil decidir.
O custo de desenvolver (produzir) programas de Ensino a
Distância de qualidade (que envolvem, por exemplo, televisão ou mesmo vídeo, ou
software especializado) é extremamente alto.
Além disso, o custo de ministração (distribuição,
oferecimento, entrega, “delivery”) desses programas também pode ser
relativamente alto. Se eles forem distribuídos através de redes de televisão
comerciais o custo de transmissão pode ser ainda mais alto do que o custo de
desenvolvimento, com a desvantagem de ser um custo recorrente.
Por isso, esses programas só oferecem uma razão
custo/benefício favorável se o seu alcance for realmente significativo
(atingindo um público, talvez, na casa dos milhões de pessoas).
É verdade que o custo de desenvolvimento pode ser rateado
pelos vários oferecimentos ou ministrações ("deliveries"). Um programa de Ensino
a Distância bem feito pode ser oferecido e ministrado várias vezes sem que isso
afete o custo de desenvolvimento. O único componente de custo afetado pelo
oferecimento e ministração recorrente de um programa de Ensino a Distância é o
de distribuição (entrega), fato que torna o custo de desenvolvimento
proporcionalmente mais barato, por oferecimento e ministração, à medida que o
número de oferecimentos e ministrações aumenta. Se o custo de entrega for alto,
porém, essa redução proporcional do custo de desenvolvimento ao longo do tempo
pode não ser tão significativa.
Muitas das instituições interessadas em Ensino a Distância
hoje estão procurando "atalhos" que reduzam o custo de desenvolvimento.
Infelizmente isso dificilmente se dá sem que haja uma redução na qualidade. Em
vez de usar meios de comunicação caros, como televisão e vídeo, essas
instituições empregam predominantemente texto no desenvolvimento do curso e o
distribuem através da Internet (com um custo relativamente pequeno, tanto no
desenvolvimento como na entrega). Além disso, para não aumentar o custo de
desenvolvimento, o texto é muito pouco trabalhado, consistindo, muitas vezes, de
textos que não foram elaborados com esse tipo de uso em mente, mas sim para ser
publicados em forma impressa. Desta forma, o Ensino a Distância acaba não
passando de um ensino por correspondência em que os textos são distribuídos pela
Internet e não pelo correio convencional.
É verdade que freqüentemente se procura agregar algum valor
aos textos disponibilizados oferecendo-se aos aprendentes a possibilidade de se
comunicarem com o ensinante, com o autor do texto (caso não seja ele o
ensinante) ou mesmo uns com os outros via e-mail (correio eletrônico) ou chat
(bate-papo eletrônico). (E-mail é uma forma de comunicação assíncrona, enquanto
o chat é uma forma de comunicação síncrona).
Quando o Ensino a Distância é entendido apenas como
disponibilização remota de textos, ainda que acompanhado por e-mail e chat, é de
crer que a sua razão custo/benefício, quando comparada à do ensino presencial,
seja bastante favorável – mas há uma potencial queda de qualidade no processo.
É preciso registrar aqui, entretanto, que, se os textos
disponibilizados forem preparados para se adequar ao meio, sendo enriquecidos
por estruturas de hipertexto, anotações, comentários, glossários, mapas de
navegação, referências (links) para outros textos igualmente disponíveis, que
possam servir como discussões ou complementos dos textos originais, a eficácia
do Ensino a Distância aumenta consideravelmente.
Dado o fato de que Ensino a Distância usa tecnologias de
comunicação tanto síncronas como assíncronas, não resta dúvida de que, no caso
das últimas, tanto os ensinantes como os aprendentes têm maior flexibilidade
para determinar o tempo e o horário que vão dedicar, uns ao ensino, os outros à
aprendizagem. Recursos como páginas Web, bancos de dados, correio eletrônico,
etc. estão disponíveis 24 horas por dia sete dias por semana, e, por isso, podem
ser usados segundo a conveniência do usuário.
É neste ponto que os defensores de Ensino a Distância colocam
maior ênfase. Eis o que diz Octavi Roca, no artigo "A Autoformação e a Formação
à [sic] Distância: As Tecnologias da Educação nos Processos de Aprendizagem",
publicado no livro Para Uma Tecnologia Educacional, organizado por Juana M.
Sancho (ArtMed, Porto Alegre, 1998):
"Na maioria dos profissionais da educação já existe a
consciência de que cada pessoa é diferente das outras, que cada uma tem as suas
necessidades próprias, seus objetivos pessoais, um estilo cognitivo determinado,
que cada pessoa usa as estratégias de aprendizagem que lhe são mais positivas,
possui um ritmo de aprendizagem específico, etc. . . . Assim parece óbvio que é
preciso adaptar o ensino a todos estes fatores. Esta reflexão não é nova. As
diferenças sempre têm sido reconhecidas. Mas, antes, eram vistas como um
problema a ser eliminado, uma dificuldade a mais para o educador. . . . No
entanto, agora se considera que é a partir daí que devemos organizar a formação
e é nos traços diferenciais que devemos fundamentar a tarefa de formação: as
capacidades de cada pessoa representam uma grande riqueza que é conveniente
aproveitar . . . [para] proporcionar uma formação cada vez mais adaptada a cada
pessoa em particular" [p.185].
Seria possível implementar essas características desejáveis
que aqui se atribuem ao Ensino a Distância em programas de Ensino Presencial? À
primeira vista, parece possível, mas é forçoso reconhecer que é difícil – a
menos que a escola seja, de certo modo, reinventada.
Ou vejamos.
A escola (como hoje a conhecemos) não pode seriamente levar
em consideração as necessidades, os interesses, o estilo e o ritmo próprio de
aprendizagem de cada aluno, de modo a proporcionar a cada um uma formação
adaptada a ele, porque esse tipo de ensino personalizado e individualizado se
choca com o pressuposto básico da escola, a saber: a padronização.
Esperar da escola que produza formação adaptada às
necessidades, aos interesses, ao estilo e ao ritmo de aprendizagem próprio de
cada um de seus alunos é equivalente a esperar que de uma linha de montagem
convencional de uma fábrica de automóveis saiam carros personalizados e
individualizados para cada um dos clientes que vai adquiri-los. Não dá: a linha
de montagem, como a conhecemos, foi feita para padronizar, para permitir que
sejam feitos, com rapidez e eficiência, carros iguais, na verdade basicamente
idênticos. A escola que conhecemos foi inventada para fazer algo semelhante em
relação aos seus alunos: nivelá-los, dando-lhes uma formação padronizada básica,
de modo que todos, ao se formar, tenham se tornado tão parecidos uns com os
outros a ponto de se tornarem funcionalmente intercambiáveis. Qualquer grau de
diferenciação que os alunos preservem ao final de sua escolaridade terá sido
mantido a despeito da escola, não como decorrência de seu trabalho.
O modelo (ou paradigma) educacional adotado pela escola é
centrado na transmissão de informação, do ensinante ao aprendente, através do
ensino.
Esse modelo está ultrapassado e não é difícil explicar
porquê.
Esse modelo é calcado no ensino. O ensino, como vimos, é uma
atividade triádica, que envolve o ensinante, o aprendente e o conteúdo que o
primeiro ensina ao segundo. A escola prioriza, nessa tríade, o conteúdo (o
currículo) e, conseqüentemente, o ensinante, deixando o aprendente em último
lugar – sua tarefa é meramente absorver o que lhe é transmitido. Por isso a
escola é tipicamente "conteúdo-cêntrica" e, por causa disso, "magistro-cêntrica",
enquanto a tendência descrita atrás (voltada para a flexibilidade e adaptada às
necessidades, aos interesses, ao estilo e ao ritmo de aprendizagem de cada um) é
"mateto-cêntrica", isto é, centrada no aprendente (adaptada às suas
necessidades, aos seus interesses, ao seu estilo cognitivo e ao seu ritmo de
aprendizagem).
O que é problemático nesse modelo convencional adotado pela
escola não é o fato de que ele acontece presencialmente, face-a-face: é o fato
de que ele não é suficientemente flexível para permitir o atendimento de
aprendentes com diferentes necessidades, interesses, estilos cognitivos e ritmos
de aprendizagem.
Pode uma educação personalizada e individualizada ser
implementada através de Ensino a Distância?
Se o modelo empregado para Ensino a Distância é o mesmo que é
usado no Ensino Presencial, teremos programas de Ensino a Distância que não
diferem substancialmente de suas contrapartidas presenciais.
Se é fato sabido que esse modelo não funciona mais, mesmo em
condições otimizadas de comunicação, em que o ensinante pode se comunicar
face-a-face, olho-no-olho com os aprendentes, por que deveria ele funcionar em
contextos em que o ensinante e os aprendentes se comunicam em condições
sub-ótimas, como é o caso do Ensino a Distância?
Não parece sensível repetir, virtual ou remotamente, os erros
de um modelo que não mais funciona em sua implementação presencial. Um modelo ou
paradigma diferente se torna necessário.
O modelo de educação que caracterizará a sociedade da
informação e do conhecimento provavelmente não será calcado no ensino,
presencial ou remoto: será calcado na aprendizagem. Conseqüentemente, não será
um modelo de Ensino a Distância, mas, provavelmente, um modelo de Aprendizagem
Mediada pela Tecnologia.
Esse modelo deverá ser centrado no aprendente, em suas
necessidades, em seus interesses, em seu estilo e em seu ritmo de aprendizagem.
Quem quiser participar desse processo terá que disponibilizar, não cursos
convencionais ministrados a distância, mas, sim, ambientes ricos em
possibilidades de aprendizagem.
A Internet e a Web, ou seus sucedâneos, certamente terão um
papel fundamental nesse processo.
A Internet, especialmente através da Web, caminha rapidamente
para se tornar o grande repositório que armazenará todo tipo de informação que
for tornada pública no mundo daqui para frente. O modelo, daqui para frente, não
será alguns (os ensinantes) transmitindo informações a outros (os aprendentes),
mas muitos (estudantes, trabalhadores, qualquer um que precise) vindo em busca
de informação em lugares em que sabem que podem encontrá-la (a Web). Em
linguagem da Internet, o modelo será muito mais “pull” (busca da informação) do
que “push” (entrega da informação).
A tarefa de discutir, analisar, avaliar, e aplicar essa
informação a tarefas práticas será realizada, mais e mais, não através da
escola, mas através de grupos virtuais de discussão, onde cada um se alterna no
papel de ensinante e de aprendente. O que é virtual aqui é o grupo, não a
aprendizagem: esta é suficientemente real para satisfazer a maior parte das
necessidades de aprendizagem das pessoas.
Se a escola puder se reinventar e tornar-se um ambiente de
aprendizagem desse tipo, ela pode sobreviver. Mas a Internet, a Web, correio
eletrônico, bate-papos, discussões baseadas em texto (grupos de discussão),
videoconferências, etc., precisarão estar no centro dela e se tornar parte de
sua rotina. O que aqui é dito da escola aplica-se a escolas de todos os níveis,
inclusive às universidades.
Um exemplo de um ambiente de aprendizagem desse tipo é o
grupo de discussão EduTec e o site EduTecNet, criados para a discussão do uso de
tecnologia na educação. Seu URL é
http://www.edutecnet.com.br .
[*] Trabalho escrito para
The Encyclopaedia of Philosophy of Education / A Enciclopédia de Filosofia de
Educação, editada por Michael A. Peters e Paulo Ghiraldelli Júnior,
http://www.educacao.pro.br/
(especificamente:
http://www.educacao.pro.br/tecnologia.htm )
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